terça-feira, 23 de setembro de 2008

Bom Dia Primavera

Bom Dia Primavera
Nova estação começa às 12h44 desta segunda-feira, 22 de setembro 2008.

A minha pequena oferta de Primavera às pessoas a quem amo!
Nessa estação, olhe-as, sinta-as, cheire-as.
E, se puder, plante-as, regue-as, acaricie-as com o olhar.
E se puder ir mais longe, mostre-as e envie-as a quem ama.


Ipê-Primavera
23set2008

Ontem ela chegou
e me pegou,
sem surpresas;
porque eu já a esperava.
Veio linda
e imperial,
vestida de ipê-amarelo!

Como uma nave,
pousou de leve
no meu dia,
na minha estação,
na minha vida,
pilotada por você.

Escolheu para o seu pouso
um verde campo,
seu novo "habitat",
dando ao solo as suas raízes.

Pétalas e corolas.
Sementes e pistilos.
A efemeridade de sua vida,
que nesta estação
ficará ali, para a eternidade,
perenizadas
pela sua alma,
de amarelínea pele.

Privilégio
de quem a puder olhar
e, se mais puder,
reter em si
essa doce quimera.
Sonhar, rir, chorar,
se perder
na viagem dessa nave-ipê,
até a próxima primavera.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Poema do dia_Chove

A segunda-feira amanheceu chovendo. Dormiu acalentada por uma leve cortina d’água que protegia a noite das bruxuleantes luzes da cidade, dando-lhe o leito necessário ao tranquilo repouso.
Aos primeiros sinais da claridade fui olhar a janela para saber como estava o tempo. Lembrei-me de um poema escrito há alguns anos, trazido pela sensação renovada das gotas que saltitavam no vidro.
O que me inspirou a escrevê-lo, na época, já é assunto encerrado, mas ficou a lembrança do dia, da musa-chuva que me levou a expressar aquele momento.

CHOVE
Jopin Pereira
14/09/2004

Chove!
Lágrimas de chuva choram no vidro de minha janela.
Escorrendo pela face da noite
em que se transformou a minha vida.
E, no seu lento caminhar,
descendo sobre a face
impressa em minha janela,
desenha um rosto.

Não mais que um contorno,
Apenas uma linha
que expressa a presença
de alguém que se foi,
mas continua presente,
marcando todos os meus momentos.

Difícil apagar tantas marcas,
de tudo que foi vivido,
pensado, sonhado.
Reconstruir a alma,
curar a dor do sentimento partido,
acreditar que é real a partida.
Ainda não sei bem,
mas uma parte minha se foi.

A linha se esgueira pela fria superfície
do vidro que transpira,
destacando-se das demais gotas
que saltitam em sua volta.
Parece que algumas gotas especiais se unem,
comandadas por uma mão imaginária,
que as vai unindo
para formar aquilo que vejo.
Ou que quero ver?
Será que só vejo?
Creio que sinto,
como se estivesse riscando-me a pele.

Delineia-se no vidro,
no rosto que ali surge
pintado pelas lágrimas da chuva,
uma história de vida,
um caminho trilhado.
Procuro entender,
por que a estrada estreitou;
em que ponto dessa estrada
a vida parou.

Razões de vida?
Escolhas?
Desencontros?
Incertezas?
O que?

O rosto finalmente se formou na janela.
É ela!
Desde o início eu já sabia.
Sempre esteve impresso em mim.

O Sol chegará.
Vai suceder a noite.
O que será do novo dia?
Quando choverá novamente para que eu possa revê-la?

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Barata-mail

Jopin Pereira
03set08 06:49

Acorda e sempre vai direto ao computador. No caminho para o banheiro, ainda meio trôpego, meio sonâmbulo, aperta a tecla do estabilizador, depois, a do filtro de linha, seguindo-se o botão “on” da máquina.
A tela se acende lentamente, brotando uma série de caracteres que vão correndo. Uma espécie de “comissão de frente” que inventaram para mostrar o desfile que vai ser aberto ali, no “computódromo”.
Tudo pronto, nos conformes, e a sua atenção é levada para uma mancha estranha no canto da tela. Não percebe se está dentro ou sobre ela. Se é algo vivo ou imagem virtual. Esfrega os olhos na tentativa de encerrar o ritual do acordar, e ela ainda está lá. Primeiro uma ponta, assim como uma anteninha, depois um corpo amarronzado. A mancha se move. Deixa pra lá, acha que ainda são os efeitos retardados da noite mal dormida.
Vai ao banheiro, buscando acabar de acordar. Ducha, água fria, sabonete, barbeador, toalha. Já se sente acordando. Na cozinha, prepara um café solúvel, mais prático e, enquanto mastiga um biscoito, arrepende-se das vodkas tomadas ontem, que acha estar levando-o a delírios: “Que não seja o ‘tremens’. Deus que me livre. Dizem que começa com essas visões!”, prometendo-se, mais uma vez, parar com tal preferência noturna.
Com a mente já se regenerando pelo efeito do café, acha que saiu da crise de sonambulismo, e prossegue o ritual, abrindo a caixa de entrada de mensagens. O de sempre. Aqui e ali espocam os newletters que assina, propagandas, mensagens com anexos de firulas emotivas (quase sempre repetições), bom-dias melosos, “pps´s” e toda essa banalidade digital que hoje prolifera ali. Nada de novo.
Por um instante hesita ao olhar a tela, mas a miragem (seria?) volta a se manifestar. Mas, com o choque cafeínico de mais uma xícara, acorda de vez. E confirma que aquilo vê é de verdade. Dispara a falar sozinho: ─ A barata????? O que faz ela aqui??? ─ se espanta, enquanto a repelente visão passeia pela tela.
Duvida do que vê. Pisca os olhos e, ao reabri-los, ela não está mais lá. Devem ser resíduos de pesadelos, restos da noite mal dormida. Ilusão! Porém, a cena é real. A barata passeia faceira, como se sorrisse, na lista de e-mails, e é dentro do monitor mesmo!
Sim, agora a reconhece. É a sua barata! Há tanto tempo não via mais a “cria”, que havia se esquecido dela. Inicialmente não a reconheceu, pois estava muito diferente. Cresceu. Ousa dizer: linda! Estava mais morena, digo, amarronzada. Deve ser efeito do período de verão em que andou morando num quiosque de praia.
Claro que era a sua barata de estimação, a querida, Lady Cucaracha. O pai, mexicano, Dom Cucaracho, conheceu a mãe, uma barata-lady, Mrs. Cockroach, num navio inglês, daí a origem de seu nome, uma homenagem às duas pátrias. Chegado o navio ao Rio, dedetizaram os porões, e o casal, já idoso e debilitado por tantas viagens clandestinas, não resistiu. A filha, por ser pequena e saudável, conseguiu escapar por uma fresta e perdeu-se deles.
Na época, retornando de uma farrinha num bar das imediações ele a encontrou abandonada, bebê-barata ainda, perdida na Praça Mauá, perto do porto. Quase a esmagou com uma pisada. Chamou-lhe a atenção o seu porte clássico. Ficou encantado e penalizado com a bichinha. Adotou-a. Ao recordar esses fatos fica feliz da vida, em perceber que nos seus neurônios ainda restavam lembranças e esperanças de sobrevivência.
Tão lindinha a Lady, já exibia um porte aristocrático, desde pequenininha. Foi criada por ele com carinho. Teve tudo. Berçário, jardim de infância, natação, balé, inglês e espanhol, evidente, não é? Sua língua de origem. Cursou até o segundo grau. Pretendia fazer vestibular para Veterinária.
O problema foi deixá-la aprender informática. Depois, não quis mais nada. Vocês nem imaginam! Assim que descobriu esse "barato", perdeu-se na vida, dentro do computador, a partir do dia em que encontrou um jeito de se conectar por uma saída USB. Tornou-se uma “barata-mail”. Um horror. Viajava clandestina ─ herança da vida dos pais ─ em e-mails e voltava dizendo que tinha ido “surfar na web”. Vê se pode? Um dia sumiu de casa sem deixar vestígios. Nunca mais foi vista depois de um entrevero que teve com o pai adotivo.
Já não se viam há tempos, depois dessa briga feia. Descobriu que ela adorava palavras, principalmente as doces quando comeu um poema inteiro, que ele enviou num e-mail para a namorada e nunca chegou. O poema falava do mel nos lábios da amada, da docilidade do ser, do néctar que fluía dos seus olhos. Era um presente de aniversário. Depois de algum tempo, a raiva passou e achou até bom, pois a tal namorada não daria a menor bola e não desfrutaria o prazer que a sua baratinha se concedeu com os edulcorantes estertores de amor.
Reencontrou-a, dia desses, quando navegava por uns arquivos de receitas culinárias. Novamente doces. Adora. Estava bem gordinha. Falou-lhe que tinha feito um exame periódico num site de um laboratório e foi diagnosticado um princípio de diabetes. Pediu-lhe ajuda. Estava precisando fazer uma dieta. Preparou um e-mail, anexou-a e enviou para um desses sites de dieta. Teve até que adquirir uma senha de acesso, só para não deixá-la na mão. Mas ela não seguiu qualquer das orientações e desapareceu mais uma vez.
Sendo um pai amigo e zeloso, ficou muito chateado com isso. De tanta raiva, pensou em sumir com aquela ingrata filha-barata. Procurou um antivírus que a capturasse, que a enviasse para um arquivo de excluídos e a esquecesse lá. Um belo dia reencontrou-a na página de uma clínica veterinária. Ela tentou se esconder, mas não teve jeito. Surgiu meio sem graça e pediu-lhe perdão. Disse que tinha conseguido escapar do antivírus que taquei nela e aprendera a lição. Tinha aprendido com uma amiga contaminada como escapar do arquivo de excluídos e que agora andava navegando em outros tipos viagens mais produtivas. E estava ali, naquele site, fazendo uma desintoxicação.
Pai é pai, e ele a perdoou, mais uma vez. Agora, sempre que viaja nas mensagens que o pai, cuidadosamente prepara, é acompanhada de uma nota de rodapé dizendo que não precisam alimentá-la nem dar de beber. Ela sabe se virar sozinha e faz uma dieta especial. Tem boas experiências. Já morou uns tempos no Palácio da Alvorada. D.Marisa expulsou-a quando a viu numa festa bebendo o uísque do presidente e comendo pizza com os ratos do Planalto, no meio de uma festa de parlamentares. Aprendeu tudo que é preciso para sobreviver.
Está sempre com novos planos. No começo desse ano, voltando de mais uma viagem, pediu-lhe um favor especial. Se ele poderia enviar um e-mail para a agência aeroespacial russa no Cazaquistão e anexá-la. Cansou de Brasil. Quer reencontrar a prima que emigrou para os EUA e havia participado da comitiva do primeiro astronauta brasileiro, aquele que foi ao espaço numa nave russa.
A prima agora vai participar em uma experiência de reações à presença de naftalina na ausência de gravidade. Diz que lá, ela também seria valorizada, ainda mais com seus conhecimentos de Internet, informática e a sua vivência na web. Quem sabe viraria uma barata-chip. Ele não tem certeza de que elas sairão incólumes da tal experiência. Mas Lady tem esperanças de que se dará bem. Fez-se de surda aos seus alertas, com um britânico arzinho de arrogância e pretensão britânicas, derivada de sua origem, Ela acha que pode tudo, tem provado, e não é ele quem vai contestar. De que adiantaria? É muito baratinada!
Ele vive à sua procura pela Internet, tem medo que seja presa, eliminada por um antivírus ou capturada por um desse sistema anti-spam. Seria a morte dela. Ele não gostaria que a sua menina tivesse tal fim.
Embora ele não confesse, percebe-se que às vezes uma inveja da vida da filha o invade. Tem vontade de ser Gregor Samsa ─ protagonista de “Metamorfose” ─ quando amanheceu travestido de barata, com a pele que o escritor Kafka o envolveu. Já se imaginou viajando pelas páginas e mensagens como ela.
Tem notado mudanças estranhas em seu próprio comportamento. No supermercado, ela já não passa mais perto nas gôndolas que vendem inseticidas. Trazem-lhe um arrepio e uma espécie de alergia. Ontem pela manhã, ao pentear os ralos cabelos, percebeu dois novos fios, bem densos, crescendo nas extremidades opostas da fronte. Não é que pareciam duas anteninhas mesmo?...